FC19#11 🎓Conhecereis a verdade?
Transmissão em espaços fechados, média móvel e desinfodemia são alguns dos nossos destaques
Eu sou Cláudio Cordovil, e hoje é dia 13 de julho de 2020.
💪Bem-vindo ao primeiro ano do resto de nossas vidas!
Ferramentas Covid-19 🛠 busca contribuir para a qualificação da cobertura jornalística nacional sobre a pandemia.É uma newsletter destinada a jornalistas, profissionais de saúde, pesquisadores, professores e público em geral, produzida pela Rede CoVida.
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Olá!
Tudo bem com vocês? Volto depois de um pequeno recesso de uma semana. Coisa bem estranha tirar férias em meio a uma pandemia, mas deu para descansar um pouco e sobretudo assistir a tão falada série Dark, da Netflix.
Se não conhece ainda, recomendo. Algumas pessoas acham que é uma das melhores produções de todos os tempos na plataforma. Como ex-jornalista de Ciência, Saúde e Meio Ambiente do Jornal do Brasil, sempre me interessei por temas ligados à física de altas energias (antiga física de partículas), cosmologia , teoria da relatividade e viagens no tempo.
Um aviso importante, antes de iniciarmos os trabalhos. Em agosto, vou dar início ao plano de manutenção da nossa base de assinantes. É passo importante para manter nossa audiência ativa e engajada. Se você não abre Ferramentas Covid-19 há 12 edições consecutivas, irá receber um email perguntando se continua interessado em recebê-la. Caso não responda ou diga que não quer, seu email será retirado de nossa base de assinantes. Esta operação vai se repetir a cada 12 edições.
Agora, mãos à obra!
Imagem de Gordon Johnson por Pixabay
🧪Conhecereis a Verdade (científica)?
Eu, particularmente, sou bastante interessado nos estudos sobre divulgação científica e temas correlatos. Como jornalista de Ciência, que já trabalhou em redações da grande imprensa, por um bom tempo, as complexidades da transferência de conhecimentos especializados para públicos leigos sempre estiveram no meu radar. Acabaram me rendendo um mestrado e um doutorado sobre a temática.
A Covid-19 tem sido um prato cheio para investigar tais dificuldades, e não há solução fácil à vista para erradicar as fake news ou para neutralizar, por exemplo, os terraplanistas. Uma certa visão realista da Ciência e, porque não dizer, paternalista, nos faz crer que, basicamente, os terraplanistas padecem de um problema cognitivo. No popular, seriam burros mesmo.
A solução proposta então seria imaginar o cidadão (no nosso exemplo, um terraplanista) como uma tabula rasa e preenchê-lo com “informação confiável”, expressão da moda na atualidade. No campo dos estudos dessa área, chamamos este tipo de juízo de “modelo do déficit”.
Assim, por este modelo de interpretação dos fatos sobre a recepção da Ciência, seria por uma lacuna de informação, um déficit, que as pessoas resistiriam a acreditar em algo sobejamente comprovado pela mesma. Pode acontecer, mas nem sempre.
Aqui há um problema muito mais complexo e que diz respeito às apropriações sociais da Ciência. Muitas vezes (talvez não todas), a ignorância voluntária, o não querer saber ou o fingir-se ignorante podem ser um ato de rebeldia política e protesto. E, como tal, deve ser melhor compreendido.
Estudos revelam que a identidade étnica, religiosa ou política de alguém pode ser um bom preditor de sua disposição a aceitar a expertise de outrem sobre uma questão que se tornou politizada.
A ciência do ‘negacionismo científico’ já está bem consolidada no nosso campo de estudos, há pelo menos três décadas. Mas parece que os divulgadores científicos (entre eles, muitos cientistas de bancada) ainda não consultaram esta bibliografia. “Casa de ferreiro, espeto de pau”.
Sintomática desta visão determinista da Ciência, foi a reação do todo-poderoso Anthony Fauci, cientista renomado e integrante da força estratégica de combate a Covid-19 nos EUA, quando indagado sobre a aversão de algumas pessoas ao uso de máscaras ou a acatar as regras do distanciamento social. Exclamou, como que incrédulo: “Ciência é verdade”. De fato, nesta perspectiva que vê o conhecimento como um estoque e o cérebro como uma espécie de almoxarifado, a decepção de Fauci seria algo esperado, para aqueles que estudam o problema.
Acontece que, em contextos de polarização política, como o atual, nossas idéias sobre Ciência (ou whatever) acompanham nossas tendências ideológicas. Não há esta blindagem que entronizaria o conhecimento científico junto ao público leigo, numa espécie de panteão. Pode até acontecer, mas não é a regra.
A psicologia social nos ensina que o “raciocínio motivado”, aquele que confirma nossas esperanças e preconceitos, é muito empregado pelas pessoas, quando se encontram diante de uma ciência cada vez mais politizada (mudanças climaticas, aborto, determinação social da saúde, Covid-19 etc.).
Informações que desconfirmam as mais arraigadas convicções de alguém podem acionar raciocínios motivados , provocar rejeição das mensagens, acentuar a desconfiança na ciência (isso lhes parece familiar?), bem como reduzir apoio a determinada causa. Este foi o tema de uma apresentação que fiz no Simpósio de Evidência Qualitativa para tomada de decisões, em outubro do ano passado. Excesso de água pode matar a planta do conhecimento, se não atentamos para as contribuições da psicologia social na compreensão destes fenômenos.
O Nieman Lab publicou um interessante artigo sobre o assunto. Se todos os divulgadores científicos conhecessem rudimentos destes estudos, talvez parassem de malhar em ferro frio. E de se perguntar quem roubou o seu queijo. Partiriam para a busca de soluções.
Ainda no mesmo assunto, o Reuters Institute publicou uma lista de tipos, fontes e alegações acerca da Covid-19. Entre outras coisas, o achado de que muita informação (suposta ou claramente) deturpada tem algum grau de plausibilidade ou verossimilhança.
Destaca-se ali o nobre trabalho dos checadores de fatos nas redes sociais e na web, muito embora o estudo não revele se os negacionistas teriam mudado de opinião ao conhecerem a ‘verdade’. Teria a verdade os libertado? Ou não? A meu ver, a virtude do fact-checking está no esclarecer os, digamos assim, indecisos ou propensos a acreditar, com relação à veracidade de uma informação (e esta é uma ação meritória). Resta saber como trazemos os negacionistas para o nosso lado. Talvez seja esta uma tarefa impossível.
Para tentar ajudar jornalistas na inglória tarefa, a equipe de verificação de desinformação da BBC fornece dicas e ferramentas para o jornalista interessado em verificar a veracidade de vídeos e imagens online.
📰O que foi destaque na semana?
A semana que passou teve dois principais destaques, a meu ver: o reconhecimento pela OMS de que o coronavírus pode permanecer no ar em espaços fechados (e se alastrar) e a adoção da média móvel (do inglês moving average ou moving mean) na cobertura da pandemia pelas Organizações Globo. Ambos os fatos aconteceram na quinta-feira passada (9/7).
Transmissão em espaços fechados
A OMS foi criticada por reconhecer tardiamente algo que, sem trocadilhos, já estava no ar (e já se suspeitava). A sacudida agora se deu por conta de comentário apoiado por 239 cientistas e publicado na segunda-feira (6/7) passada, na Clinical Infectious Diseases .
Mas o que dizia o comentário? Basicamente afirmava que não havia dúvidas de que o coronavírus poderia se espalhar através de pequenas gotículas liberadas quando as pessoas respiram, conversam e tossem. E mais: sustentava que essas gotículas poderiam "permanecer no ar" e representar um risco de exposição mesmo a mais de dois metros de distância.
Já no dia seguinte (10/7) a OMS apressou-se em informar que iria revisar as evidências. Além disso, no mesmo dia, a diretora de prevenção e controle de infecções da organização, Benedetta Allegranzi, reconheceu que não se podia descartar a possibilidade de transmissão pelo ar em "ambientes lotados, fechados e com pouca ventilação”.
A reconsideração veio expressa de forma discreta, com a atualização de informação constante em FAQ intitulado How is Covid-19 transmitted? [Como a Covid-19 é transmitida] na página da organização. Pela nova redação, admite-se que a transmissão em espaços fechados “não pode ser descartada”, o que basicamente repete a informação dada por Allegranzi anteriormente. Com a afirmação cautelosa, a OMS reconhece a possibilidade desta modalidade de transmissão, evitando dizer que ela certamente acontece, que é o que o comentário dos 239 cientistas afirmara.
Agora, a OMS reconhece que a transmissão em ambientes fechados pode ocorrer em espaços lotados e com ventilação inadequada, como "restaurantes, boates, locais de culto ou locais de trabalho onde as pessoas podem estar falando em voz alta, conversando ou cantando". Antes, a entidade admitia somente que a transmissão por gotículas seria possível em alguns procedimentos realizados por profissionais de saúde, como intubação endotraqueal, dentre outros.
Na prática o que isso tudo significa para os mortais? Basicamente, reforça a necessidade de se usar máscaras tanto em ambientes fechados (especialmente em locais mal ventilados) como abertos. Também significa evitar ao máximo ficar em espaços fechados com estranhos, pois desconhece-se quanto tempo as gotículas podem permanecer no ar, se e a que distância podem se mover e qual a carga viral contida em gotículas de tamanhos variados.
Com essa informação, veiculada no comentário publicado na revista Clinical Infectious Diseases, a distinção entre grandes e pequenas gotículas (estas também chamadas de “aerossóis”) de saliva também deixa de fazer sentido. Em qualquer situação em que você esteja com pessoas com quem não coabite, recomenda-se o uso permanente de máscara. Estudo recente revelou que elas podem ter reduzido a transmissão em 40% na Alemanha. Mantêm-se as recomendações sobre o distanciamento social (dois metros de distância de outras pessoas) e o uso de álcool gel.
Como diz o antigo ditado: ⚠ Prudência e caldo de galinha 🐔 não fazem mal a ninguém.
A “média móvel” e a transparência que pode salvar vidas
No sábado (11/7), como de costume, o consórcio de veículos de imprensa divulgou levantamento da situação da epidemia de coronavírus no Brasil a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.
A matéria dava conta de que o país havia registrado 968 mortes pela Covid-19 nas 24 horas anteriores, chegando ao total de 71.492 óbitos. Informava também que, na média da última semana, o número de novas mortes no País fora de 1.018 por dia, o que configuraria uma variação de 2% em relação aos óbitos registrados em 14 dias. Por estes cálculos, 10 estados mais Distrito Federal apresentaram alta de mortes: PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, MT, RR, TO, PB.
A novidade aqui ficou por conta de um novo indicador: a “média semanal”. Com ela, passa a ser possível saber em quais estados a pandemia está aumentando, diminuindo ou em estabilidade. Na verdade, em termos técnicos, esta média semanal é conhecida como “média móvel”, uma nova arma na luta pela informação transparente.
Como os dados de Covid-19 podem ter variações diárias muito grandes e sem qualquer relação com o avanço do vírus (atrasos nos registros, falta de testes, etc), o novo modelo busca reduzir tais efeitos.
Agora, os gráficos passam a mostrar o número de casos e mortes de cada dia (em barras), e uma linha (vermelha) mostra a média dos últimos sete dias. E aí coisas curiosas começam a ser reveladas, como veremos mais abaixo.
A média móvel pode ajudar a verificar quando é hora de intensificar ou flexibilizar as medidas de isolamento social ou fechamento do comércio, por exemplo. Ao se observar uma redução sustentada de casos por duas ou três semanas, pode-se pensar em flexibilizar algumas medidas sanitárias ligadas à pandemia.
Como o Brasil é um país continental, observam-se tipos variados de evolução do número de casos, em cada Estado. A média móvel também será desagregada por estado, de forma a que se possa ter uma visão mais clara da situação em cada região do País. O neurocientista Miguel Nicolelis explica a situação do Brasil com base na média móvel.
Um dos achados mais surpreendentes (e assustadores) que a adoção da média móvel revelou foi o perfil da evolução da pandemia no país, que difere substancialmente daquele de países (menores, é bem verdade), como Reino Unido, Itália e Espanha e revela nossa situação precária no enfrentamento da pandemia. Sem pico acentuado e uma queda em seguida, como se observa em outros países, o Brasil apresenta um platô, uma estabilidade em patamar alto. Pelos novos dados com a adição da média móvel, vê-se que os países que adotaram o lockdown (não foi o caso do Brasil) se saíram melhor no combate à infecção.
📩Sugestões, críticas, dúvidas? Escreva para ferramentascovid19@gmail.com
Rápidas
⚡CAIXA-DE-FERRAMENTAS: Sempre gostamos de divulgar aqui ferramentas, manuais, cursos, webinários que permitam o aperfeiçoamento do jornalista na sua missão de cobrir a pandemia. Aqui vão duas! Com a profusão de preprints sendo divulgados diariamente sobre a Covid-19, jornalistas podem ter dificuldade em saber como lidar com eles, qual o estatuto de confiabilidade a dar àquela informação etc. O Journalist’s Resource traz seis dicas e lembretes para lidar com preprints de pesquisa biomédica sobre a Covid-19. Entre elas, o fato de não serem revisados por pares e reportarem achados preliminares. Conhecimento de métodos de pesquisa por parte do jornalista é uma vantagem, quando se quer aferir a credibilidade dos mesmos. O mesmo site traz 10 dicas para lidar com modelos epidemiológicos na cobertura da pandemia. Já tratamos do assunto aqui, mas nunca é demais reforçar.
⚡O DRAMA DOS ASILOS II: Em nossa edição FC19#7 trouxemos à tona certa preocupação com a situação das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) no Brasil, popularmente conhecidas como “asilos” ou “casas de repouso”. Logo em seguida, o Fantástico trouxe uma matéria muito bem apurada sobre o tema. Mas, lendo agora notícias sobre a situação no Canadá, vejo que talvez estejamos subdimensionando a escala do problema no País, em nossa cobertura jornalística. Senão, vejamos: Trinta por cento de todas as mortes nos EUA ligadas ao coronavirus vêm de instituições desta natureza. Trudy Lieberman tentou cobrir o assunto nos estados do Arizona, Michigan e Nova Iorque e teve dificuldades para realizar sua apuração. Já no Canadá, apesar de este país ter a reputação de boa condução no enfrentamento da pandemia, 81% das mortes estão ligadas a instituições desta natureza. Talvez a pauta mereça atenção dos coleguinhas brasileiros. Mas a tarefa de apurar um tema dessa magnitude num país continental pode lançar desafios importantes.
WEBINÁRIOS EM DESTAQUE:
✅Covering Coronavirus: The Economy or your Health? USC Annenberg/Center for Health Journalism
📌Assista aqui📌
✅Bases imunológicas para a vacina contra a Covid-19
Realizada em 8 de julho de 2020
Promovido pela Rede CoVida, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).
✅ Como testar a vacina da Covid-19 no Brasil
Promovido pela Rede CoVida, em parceria com a Sociedade Brasilieira de Medicina Tropical (SBMT).
📅16 de julho, quinta-feira, das 16 às 18h
Quais devem ser as metodologias utilizadas para testar as vacinas em desenvolvimento no Brasil? Quais são os limites éticos dos testes? Como será a dinâmica de testes pelo país? Essas e outras questões serão discutidas no webinário.
Apresentadores:
Rita Medeiros - Universidade Federal do Pará
Esper Kallas - Universidade de São Paulo
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