FC19#12 🤔Desinformação é burrice?
A corrida pela vacina, as máscaras politizadas e a desinformação galopante são nossos destaques
Eu sou Cláudio Cordovil, e hoje é dia 20 de julho de 2020.
💪Bem-vindo ao primeiro ano do resto de nossas vidas!
Ferramentas Covid-19 🛠 é uma newsletter destinada a jornalistas, profissionais de saúde, pesquisadores, professores e público em geral, produzida pela Rede CoVida.
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⌚Hoje temos uma contagem de 2.597 palavras, ou uma leitura de 10 minutos.
Olá!
Tudo bem com vocês?
Esta semana foi especialmente farta de notícias, especialmente em três campos, no monitoramento semanal que faço: A corrida em busca de vacinas, o fenômeno da desinformação epidêmica e a politização do uso de máscaras.
A grande quantidade de matérias que tive que analisar me dá a oportunidade de dizer que, muitas vezes, por limitações de espaço, terei que sacrificar algum conteúdo. Não respondemos a consultas via email sobre a eficácia deste ou daquele tratamento para a Covid-19.
📰Desinformação é burrice?
A pandemia tem contribuído para fazer avançar os estudos sobre desinformação.
O First Draft trata de um assunto que acho particularmente fascinante: a psicologia da desinformação. E traz, no primeiro de uma série de três artigos, 10 conceitos importantes para entender este fenômeno, antes de creditá-lo à mera burrice. Sobre isso, falamos um pouco na edição passada desta newsletter. A propósito, The Conspiracy Theory Handbook já está traduzido. Baixe aqui.
Duas matérias revelam como os algoritmos empregados pelo YouTube estão contribuindo para a desinformação e promovendo uma agenda conservadora.
O Nieman Lab traz estudo de Anjana Susarla mostrando que os vídeos mais populares naquela plataforma são os que têm informação em linguagem acessível, mas nem sempre válidas de um ponto de vista médico. Estes achados corroboram os de outro estudo que revelara que um quarto dos vídeos não continham informação médica confiável. Uma explicação para o fato pode ser a opção do YouTube em premiar engajamento e popularidade, e não a qualidade dos conteúdos. A Bloomberg publicou matéria revelando que a Fox News, organização noticiosa notoriamente conservadora, tem sido uma das maiores beneficiadas com a mais recente mudança de algoritmo daquela plataforma, ocorrida em março de 2019.
É difícil calcular quanto de seu tráfego pode ser atribuído ao YouTube, pois o Google não divulga esta informação. Mas um cientista de dados, Mark Ledwich, que é estudioso do YouTube, estima que a Fox News teve 248 milhões de views em junho, a partir das recomendações daquela plataforma. Um número que ultrapassa em cerca de 75 milhões de views aquelas obtidas pela MSNBC no mesmo período.
O mesmo Nieman Lab repercute estudo que buscou descobrir o que distingue o ávido consumidor de notícias daquele que as evita. A conclusão, que reputam consistente, a partir de respostas a 67 mil questionários em 35 países, é de que demografia, atitudes políticas e preferências por este ou aquele gênero jornalístico podem explicar a rejeição a notícias. Outros fatores também devem ser considerados. Segundo o estudo:
Estes achados sugerem que as práticas de uso de notícias de muitas pessoas dependem não apenas das características e preferências pessoais, mas, de maneira bastante consistente, das notícias disponíveis, que podem ter boas razões para considerar deficientes ou não confiáveis, bem como normas culturalmente específicas em torno de seu valor e utilidade.
Isso poderia levar a pensar sobre o tratamento que os veículos noticiosos dão a barbaridades vocalizadas por líderes políticos no Brasil e no exterior. A este respeito, o American Press Institute publicou artigo onde dá dicas para jornalistas que desejam cobrir teorias da conspiração, o que sempre foi campo minado para os coleguinhas. E coloca o dedo na ferida.
Se você está tentando publicar o que é verdadeiro, como você trata inverdades sem amplificá-las? Qual é o momento certo para escrever sobre isso e que tom dar para descrever estas inverdades com precisão? Como você decide que não vale a pena desmascará-las e de que modo? Na era das mídias sociais, como você faz tudo isso sem incentivar inadvertidamente a disseminação de falsidades?
Perguntas delicadas para qualquer profissional de imprensa, com as quais precisamos nos defrontar.
Mas a indústria da desinformação movimenta outros interesses, que não apenas destas plataformas virtuais que viram na mentira um negócio lucrativo. Os militantes do movimento antivacina estão rindo à toa. E isso nos preocupa, porque uma baixa cobertura vacinal, pela resistência a se imunizar futuramente, jogará por terra todo o esforço feito até aqui para obtê-la. A este respeito o Nieman Lab traz relatório da organização britânica Center for Countering Digital Hate, intitulado How Big Tech powers and profits from vaccine misinformation. Entre suas principais conclusões: A Covid-19 tem representado uma oportunidade de crescimento para o movimento antivacina, que é mais forte no Facebook, mas começa a ganhar tração no Instagram. Uma nova pesquisa que ouviu 2.861 adultos norte-americanos e britânicos para o relatório verificou que existe uma correlação entre recusa à vacina e uso das mídias sociais e que, neste momento, muito poucas pessoas planejam se vacinar.
Na Europa, a situação não é muito diferente. É o que revela relatório apoiado pela Google News Initiative que verificou artigos publicados por cinco agências de checagem de fatos no Velho Continente, nos meses de março e abril. Uma ferramenta de visualização nos permite observar que há ali dados curiosos, como os mais populares assuntos para desinformação, os momentos em que tais fake news foram mais salientes na cobertura de alguns países e o foco em Bill Gates como um dos assuntos preferidos por quem aprecia desinformar.
Uma base de dados norte-americana monitora as mentiras e falsas alegações de Donald Trump desde a sua posse. Pois bem, até o momento em que esta newsletter estava sendo redigida, em 1.267 dias de governo, Donald Trump falseou a verdade 20.055 vezes. Uma marca que deixaria Pinóquio envergonhado. Absolutely. No Brasil, temos uma congênere para monitorar as mentiras (ou imprecisões ou inverdades) de nosso dirigente máximo. Aqui, o nosso dignitário aparece mentindo ou dizendo meias-verdades 1.422 vezes. Há que se destacar que Trump está a mais tempo no poder.
O Reuters Institute divulgou estudo onde avalia os padrões e quantidade de “toxicidade“ nas conversações sobre a Covid-19 nas redes sociais. Para isso, analisaram conversações em todo o mundo no Twitter acerca da atuação da Organização Mundial de Saúde na pandemia. Os pesquisadores definem “toxicidade” como “um comentário rude, desrespeitoso ou irrazoável que pode levar alguém a abandonar uma discussão”. Entre os resultados, a constatação de que 21% das conversações globais sobre o tema são compostas por mensagens tóxicas.
A Covid-19 já tem seu repositório de documentos obtidos com base nas políticas de acesso à informação norte-americanas. O Brasil tem uma iniciativa semelhante, mas não exclusivamente dedicada à pandemia. Fica a dica.
Diante da dupla pandemia em que vivemos, viral e informacional, já há quem proponha que a desinfodemia receba um código numérico, como as doenças catalogadas na Classificação Internacional de Doenças.
É o que defende a médica Asha Shajahan em artigo publicado no Huffington Post. Segundo Shajahan, que trabalha na atenção básica, ultimamente ela tem dedicado 90% de seu tempo a desmentir fake news e inverdades trazidas por seus pacientes nas teleconsultas. Em vez de diagnosticar e tratar, ela afirma que seu trabalho agora é direcionar pacientes para recursos confiáveis de informação, como a página do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e a página sobre fake news da Organização Mundial da Saúde (OMS).
E prossegue:
A desinformação está causando pânico, raiva, polarização entre partidos políticos, doenças e até morte. Chegou a hora de atribuir a ela um código de diagnóstico.
💉E a corrida pela vacina avança
Na terça-feira (14/7) o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou artigo onde pesquisadores da empresa Moderna relatavam que, na fase I dos testes clínicos de sua vacina candidata, todos os 45 participantes do estudo desenvolveram resposta imune e que esta se revelou aparentemente segura. Trata-se da primeira vacina a ter sido testada em humanos e é produto de uma parceria com o National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID).
No mesmo dia, executivos da empresa anunciaram que estão em condições de iniciar os testes da Fase III (aquele etapa que avalia eficácia e segurança) com 30 mil participantes já na próxima segunda-feira (27/7). Esta vacina emprega material genético extraído do vírus, mais precisamente do ARN mensageiro.
A Moderna fora muito criticada quando divulgou, com algum estardalhaço midiático (18/5), um comunicado para a imprensa (release) com dados preliminares um tanto vagos, a respeito de seus estudos de Fase I. Houve também desentendimentos com cientistas do governo. A propósito, um alto executivo da Merck critica o overhype em torno das vacinas, alegando que isto pode demover as pessoas de adotarem medidas de prevenção mais rigorosas. O já citado artigo publicado na NEJM confirma e traz mais detalhes sobre aqueles achados. O The New York Times publicou uma matéria detalhada sobre esta candidata à vacina.
O anúncio da Moderna parece ter levado os cientistas da Universidade de Oxford a procurarem a mídia. No dia seguinte (15/7) ao anúncio daquela empresa, eles informaram ao The Telegraph que a sua vacina poderia oferecer “dupla proteção” contra o vírus. Os pesquisadores de Oxford acreditam que ela já estará disponível ainda em setembro, embora não confirmem esta informação oficialmente.
Na corrida pelas vacinas, quatro já estão em pesquisas mais avançadas (Fase III). Outras duas parecem estar quase lá: uma sendo produzida na Rússia e outra pelo laboratório Pfizer. A China já aprovou uma vacina, mas para uso limitado. Mais de 155 vacinas encontram-se em estudos em todo o mundo. Você pode consultar esta informação em tempo real, e com riqueza de detalhes, no tracker criado pelo The New York Times para este fim. Mas se você quer saber detalhes confiáveis sobre os 20 tratamentos mais comentados na mídia, pode consultar aqui. O mesmo jornal entrou nos laboratórios da Johnson & Johnson’s para nos revelar os bastidores da criação de uma vacina contra a Covid-19.
Especialistas ouvidos sobre o tema acreditam que precisaremos de várias vacinas, porque nenhuma empresa individualmente poderia produzir, com a rapidez necessária, bilhões de doses a serem demandadas em todo o mundo.
Há muitas incertezas ainda pelo caminho. Por exemplo, não se sabe ainda quão eficaz qualquer destas vacinas seria, até mesmo as aprovadas por agências regulatórias. Isto porque a criação de anticorpos pelo organismo não necessariamente confere imunidade. Para complicar ainda mais a situação, estudos divulgados recentemente sugerem que os anticorpos poderiam proteger por dois ou três meses após a infecção, notadamente em pacientes assintomáticos. Isso traria maior complexidade para a descoberta e produção de uma vacina.
O Washington Post resolveu investigar algo fundamental: O desafio de produzir frascos e seringas para acondicionar e administrar bilhões de doses da futura vacina.
✅ IMUNIDADE FUGAZ? Na segunda-feira passada (13/7), um preprint recentemente publicado nos servidores da medRxiv ganhou repercussão midiática internacional. Ele sugeria que a imunidade poderia durar apenas alguns meses e que os níveis de anticorpos rapidamente declinariam, após alcançar um pico. Esta, em tese, não seria uma boa notícia para quem aposta na tal da imunidade de rebanho ou na descoberta de uma vacina, para se proteger da doença.
Ainda mais depois que a Vox, dias antes, publicara o relato de um médico sugerindo que um paciente recuperado da Covid-19 teria sido reinfectado, o que também lançaria dúvidas sobre a imunidade ao coronavirus. Outros relatos de médicos vieram à tona, inclusive no Brasil. Mas, calma! Um preprint não é revisado por pares, etapa importante para se aferir a validade de um achado científico. Na edição passada desta newsletter, trouxemos, para os caros colegas jornalistas, um link explicando como lidar com preprints. Yasmin Tayag, da Medium, comenta as implicações desta notícia para os mortais e diz que é precipitado se preocupar com estes achados.
✅ E SOBRE AS REINFECÇÕES?
O que a ciência tem a nos dizer? 1. Não sabemos quanto tempo a imunidade ao Covid pode durar em quem já teve a doença. 2.Qualquer vírus tem potencial de reinfectar alguém. Mas pode ser algo raro na Covid-19. O vírus começou a circular na China há oito meses. Se a reinfecção fosse corriqueira, já a teríamos identificado.
🎭Segue o baile… de máscaras!
Na semana que passou, a quantidade de matérias nos EUA sobre máscaras foi algo impressionante. Nos sites que monitoramos regularmente, eu contei 12!
Há estudos e mais estudos pipocando sobre o tema. O USA Today dá conta de que as redes sociais estão repletas de vídeos mostrando clientes se recusando a colocar máscaras ao entrar em lojas, o que às vezes resulta em pancadaria.
Na terça-feira passada (14/7) , o diretor do Centers for Disease Control and Prevention, Robert Redfield, em entrevista ao Journal of American Medical Association, afirmou acreditar que se todos usassem máscara a pandemia estaria controlada em um a dois meses. Há estudos que até indicam que o uso de máscaras torna a infecção mais branda, no caso de você a contrair. Agora, se você quer ter realmente provas da eficácia das máscaras na prevenção da pandemia, deve observar o que aconteceu em Praga, sem trocadilhos. A cidade de 1,3 milhão de habitantes foi uma das primeiras localidades européias a decretar o uso obrigatório das mesmas, há quatro meses atrás. Resultado? A vida voltou ao normal. Comércio e escritórios abertos e as últimas restrições com relação a aglomerações acabam de ser suspensas. O uso de máscaras praticamente desapareceu por lá. Para comemorar, um grande jantar na Charles Bridge, com direito a muita aglomeração.
Os funcionários do McDonalds nos EUA não têm a mesma sorte. Levantamento realizado em junho revelou que quase metade de seus atendentes nos EUA envolveram-se em bate-boca com fregueses por causa de máscaras. No Brasil, cenas de agressões físicas e verbais entre os grupos antagônicos também foram observadas.
O The New York Times traz um mapa detalhado do uso de máscaras em todos os estados dos EUA e, de quebra, os dados de alguns países (o Brasil ficou de fora). Entre os achados curiosos de um estudo ali citado, a informação de que o melhor preditor para o uso de máscaras é a afiliação política do sujeito (se Democrata ou Republicano).
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