FC19#5💊Cloroquina e empurroterapia
Promessas terapêuticas e modelos epidemiológicos são outros destaques.
📅25/05/2020
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⌚Hoje temos uma contagem de 1.237 palavras, ou uma leitura de 5 minutos e meio.
💊Os usos irracionais da cloroquina
Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou um protocolo para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina (HCQ) no tratamento da Covid-19.
Lá fora, Trump disse que estava tomando HCQ para prevenir a doença, o que gerou certo clamor na mídia norte-americana (alguns dizem que Trump mente!). Imediatamente, nos EUA e no Brasil, começaram a pipocar matérias sobre mortes atribuídas ao uso do medicamento. Um grupo de pesquisadores brasileiros divulgou nota desautorizando o tal protocolo.
Em março, havia uma hipótese teórica para explicar a ação da HCQ na Covid-19 e uns poucos estudos científicos, de baixa qualidade. Um destes tratamentos foi promovido por Didier Raoult, um microbiologista francês respeitado, ainda que polêmico e heterodoxo.
As vozes predominantes no debate afirmam que seu uso indiscriminado seria uma temeridade. Na sexta-feira (22/5), um estudo publicado na Lancet não apresentou resultados animadores. Não se tratou de um estudo clínico, é bem verdade, mas observacional, com base em prontuários médicos. Assim, não representa a prova definitiva para avaliar eficácia e segurança da droga. Isso não demoveu Bolsonaro de continuar a recomendar o seu uso (23/5). Mas autores de um dos principais estudos, promovendo seus alegados benefícios, retiraram o seu preprint do ar (23/5).
Na Ciência, vozes dissonantes sempre existiram. Supostas ‘maluquices’ já foram propostas por respeitáveis representantes da Ciência oficial, ainda que estes não estivessem em posição dominante. Algumas delas foram depois reconhecidas como verdades. O que hoje parece sandice, já foi tido como plausível em algum momento (e vice-versa). Cito apenas três exemplos: a fusão a frio; uma teoria alternativa sobre a causa da AIDS; e a previsão de um terremoto em 1990, no estado de Missouri.
O senso comum gosta de imaginar um mundo harmonioso na Ciência, onde reinaria uma beatífica, fraterna e uníssona “comunidade de pares”. Não é bem assim.
Thomas Kuhn, já na década de 1960, mostrara o irrealismo de tais visões. Na verdade, disputas de paradigmas são rotina no processo de construção do conhecimento científico. E as lutas entre grupos majoritários e minoritários dentro dela têm a poesia de uma briga de foice no escuro.
Raoult é a celebridade da vez no universo do que os estudiosos denominam “ciência dissidente” (maverick science). Raoults sempre existiram na Ciência.
Se a divergência é um dos motores do conhecimento científico, talvez devêssemos procurar culpados em outra seara: no ‘dispositivo’ jornalístico e alguns de seus princípios, que gravitam em torno da sacrossanta “objetividade”. Na cobertura de controvérsias científicas, como a da cloroquina, a busca pela objetividade a todo custo, pode representar um desserviço. Na verdade, o problema pode estar na maneira como os jornalistas comunicam controvérsias, riscos e incertezas científicas para o grande público.
William Check cunhou a expressão “modelo político de reportagem” para descrever esse vício profissional de se buscar o equilíbrio em narrativas, através da apresentação de cada lado da questão, de forma ‘equânime e democrática’. Quem de nós já não foi procurado por um coleguinha desesperado: “Você tem uma fonte do outro lado para me passar?” Mas talvez devêssemos fazer um acordo. Diante de algumas controvérsias científicas, fica suspensa a obrigatoriedade de se “ouvir-todos-os-lados”, sem a devida contextualização das mesmas.
💉A vacina: entre o feijão e o sonho
Alphonso Lingis certa vez disse que “Esperança é sempre esperança contra a evidência”. E, nesse campo, a prudência jornalística nos aconselha a distinguir “esperança” de “expectativa”. Poderíamos definir “expectativa” como algo baseado em boas evidências prévias; enquanto que a esperança careceria das mesmas. Fato que ganhou as manchetes na semana passada foi a divulgação de supostos estudos promissores com relação a uma vacina desenvolvida pelo laboratório Moderna. A grande imprensa apressou-se a soltar foguetes✨, vendo ali uma possível solução para o drama da emergência sanitária global. Ações da empresa dispararam na Bolsa📈. Mas, aqui, tudo indica que, mais uma vez, os repórteres compraram gato por lebre. Há limitações nos estudos que foram divulgados, em termos de evidências.
Destacamos somente dois:
Apenas oito dos 45 participantes do estudo desenvolveram anticorpos neutralizantes, que é o que interessa quando se pensa em uma vacina.
Desconhece-se a duração do efeito protetor dos anticorpos produzidos. Os dados divulgados falam de sangue colhido duas semanas após a segunda dose da vacina. Ora, isso é nada, para se avaliar qualquer efeito protetor duradouro.
O New York Times publicou interessante matéria com adequada contextualização sobre a vacina da Moderna e outras. O mesmo jornal calibra esperanças com outra matéria imprescindível sobre expectativas realistas e vacinas. O The Guardian também adotou postura cautelosa.
😵O que você precisa saber sobre modelos epidemiológicos
Ok. Precisamos reconhecer. Na maioria dos casos, nós, que escolhemos o Jornalismo como profissão, não morremos de amores pela Matemática😏. Denise Marie-Ordway, da Journalist’s Resource, nos traz 10 mandamentos para quem não quer passar vergonha na cobertura da pandemia. Aqui destacamos um deles. Obrigado, Denise! 🙏
Deixe claro, em sua cobertura, que os modelos são tão bons quanto os dados usados para construí-los e que os pesquisadores atualmente não têm dados de alta qualidade sobre essa pandemia👏.
Rápidas
✅FADIGA DE NOTÍCIAS: Na terça-feira (19/5), o Instituto Reuters publicou os resultados de um levantamento feito entre os dias 7 e 13 de maio. Eles revelam que, no Reino Unido, após um aumento inicial de interesse por notícias sobre o coronavirus, observou-se um “aumento significativo” da rejeição sobre o tema. Um dado interessante: mulheres (26%)👧 são mais inclinadas a evitar tais notícias do que homens (18%)👦. Outros estudos já haviam apontado este gap entre homens e mulheres. Se você tem dois minutos, leia essa thread do Twitter com mais detalhes sobre o estudo. Se você tem cinco minutos, leia esta factsheet sobre a pesquisa.
✅ELABORANDO O LUTO: Semana passada, tratamos do assunto aqui (rolar a página). Mas, agora (24/5), o sempre estupendo New York Times inova na visualização de dados sobre os mortos pela pandemia. Tocante! ✝
✅SEGURANÇA PESSOAL: São tempos bicudos, todos concordam💣💥. Não bastassem as precauções ordinárias para se proteger na pandemia, jornalistas precisam tomar cuidados adicionais. A Columbia Journalism Review divulgou dicas preciosas para a cobertura de manifestações contrárias ao distanciamento social. Já o Journalist’s Resources traz 13 dicas para você se proteger em reportagens sobre o discurso de ódio online. A Rede Covida também preparou um manual com orientações adaptadas ao contexto brasileiro.
✅FAKE NEWS: Pesquisadores da Carnegie Mellon University disseram (20/5) que quase metade das contas no Twitter que divulgam mensagens sobre a pandemia são, muito provavelmente, bots. Eles garantem que é muito cedo para dizer quem está por trás das contas de bot, mas que os tweets pareciam ter a intenção de gerar ruído nos EUA. No Brasil, pesquisa conduzida pela Fiocruz identificou as principais fake news recebidas pelo aplicativo Eu Fiscalizo, entre março e maio. O Buzzfeed divulgou um quem-é-quem dos maiores propagadores de pseudociência e teorias conspiratórias nas redes sociais.
✅JUVENTUDE TRANSVIADA? Em todo o mundo, vemos relatos onde jovens ☮ são retratados como sabotadores do distanciamento social. Para combater tais visões, foi criado o The World Teenage Reporting Project, que mereceu matéria da IJNET.
✅WEBINÁRIOS EM DESTAQUE:
Cobrindo o coronavirus: a crise da violência doméstica - USC Annenberg/Center for Health Journalism 📌(quarta-feira, 27/5)📌- Inscreva-se aqui.
Como começar a cobrir redução de riscos em desastres - Fundación Gabo
📌(quinta-feira, 28/5)📌 - Inscreva-se aqui.
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( ͡⚈ ͜ʖ ͡⚈) Até a próxima!
Essa newsletter foi preparada para você por Cláudio Cordovil (DCS/ENSP/Fiocruz) .
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🧪Documentos técnicos produzidos pela Rede Covida
A Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade disponibiliza documentos produzidos por sua equipe de pesquisadores com o objetivo de apresentar informações que possam ajudar a população e os profissionais de saúde a esclarecerem questões sobre o novo coronavírus, com base na melhor literatura científica disponível.
Notas técnicas
Boletins epidemiológicos
#5 - A saúde dos trabalhadores de saúde no enfrentamento da pandemia
#3 - Testes diagnósticos
#2 - Os impactos das medidas de distanciamento social e redução de fluxo intermunicipal na Bahia (11/4)
#1 - Destaque à situação da Bahia (3/4)