FC19#6 🔥Mineápolis, racismo e Covid-19
Quando relaxar o distanciamento social; iniquidades em saúde; hidroxicloroquina e precaução são nossos destaques
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📅01/06/2020
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Eu sou Cláudio Cordovil e hoje é dia 1° de junho de 2020.
⌚Hoje temos uma contagem de 2.213 palavras, ou uma leitura de 10 minutos.
⚰Um assassinato brutal e lições que nunca se aprendem (nem com Covid-19)
O brutal assassinato de George Floyd (✝RIP, George) por um policial branco (25/5), em Mineápolis, no estado de Minnesota, já está a deixar outros mortos pelo caminho, seja pela revolta, compreensível, espalhando-se por todos os EUA como um rastilho de pólvora💥, seja pela Covid-19, cujo contágio ameaça aumentar, segundo autoridades de saúde, devido às aglomerações.
Até o fechamento desta edição, domingo (31/5), às 20h, sexto dia dos protestos, o saldo era o seguinte: manifestações e atos de vandalismo em pelo menos 30 cidades; 2.564 prisões; toques de recolher em pelo menos 25 cidades (de 16 estados) e 5 mil soldados da Guarda Nacional mobilizados em 16 cidades.
Já duramente castigados pela pandemia, (como uma das populações mais vulneráveis à Covid-19) , e por uma crise econômica sem precedentes, os negros e pardos norte-americanos viram-se obrigados a ir às ruas, para protestar (juntamente com brancos e hispânicos), arriscando-se ao contágio.
A prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, advertiu que seus concidadãos que foram às manifestações provavelmente terão que testar para Covid-19 nesta semana. Já o diretor do Departamento de Ciências da Saúde Pública, da Universidade da Califórnia em Davis, Bradley Pollock, afirmou que “o mérito da causa não livra os manifestantes de contraírem o vírus”.
No Brasil, desde sempre, temos nossos George Floyd’s trucidados todos os dias, a pretexto de garantir a segurança pública, sem maiores comoções que façam mudar este estado de coisas, de uma vez por todas.
Mas, a verdade é que populações historicamente vulneráveis, desde sempre, especialmente no Brasil, dada sua escandalosa e irremediável desigualdade social, estão arcando com todo o peso desta pandemia: negros, famílias de baixa renda, subempregados a viver de bicos, entregadores e motoristas de aplicativos, moradores de comunidades, a lista é vasta.
Sim, a pandemia potencialmente alcança a todos, mas a alguns com mais intensidade. O ex-presidente dos EUA Abraham Lincoln já disse que “todos os homens são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.
Isso acontece porque leis, sistemas e políticas em vigor têm perpetuamente bloqueado o acesso de certos grupos populacionais a oportunidades de uma vida saudável e de prosperidade econômica. A Covid-19 nada mais faz do que sublinhar as graves conseqüências da persistente injustiça social.
A saúde pública tem uma vasta tradição de pesquisas sobre os impactos de fatores sociais e econômicos na vida humana. No Brasil, diz-se que saúde é um direito de todos e dever do Estado. Pelo menos, é o que afirma o art. 196 da Constituição Federal.
Tais fatores são denominados “Determinantes Sociais da saúde (DSS)” e da doença. Podem ser aí incluídos os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, tais como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego.
A raça sempre foi um dos mais importantes determinantes sociais da saúde (e da doença). Estudo recente publicado no Brasil revelou que desigualdades no acesso ao tratamento confirmam que as chances de morte de um paciente preto ou pardo analfabeto (76%) são 3,8 vezes maiores que de um paciente branco com nível superior (19,6%) no contexto da pandemia. A recessão suscitada pela Covid-19 no país também já está atingindo mais pesadamente os negros (e as mulheres). Não bastasse esta carga sobre seus ombros, os homens negros ainda se defrontam com o dilema do uso de máscaras, em um país onde impera o racismo estrutural.
Em Mineápolis, onde George Floyd foi brutalmente assassinado (nunca é demais lembrar), segundo o Washington Post (paywall), o abismo econômico entre famílias negras e brancas é maior do que em quase qualquer outra cidade norte-americana.
A família negra típica em Mineápolis ganha menos da metade do que a família branca típica em qualquer ano. E a propriedade de imóveis por negros é um terço daquela representada por famílias brancas. Como resultado, muitas famílias negras foram efetivamente excluídas da prosperidade de que a população predominantemente branca da cidade desfruta.
Governos e empresas devem tomar providências para que a equidade seja a prioridade em suas respostas políticas à COVID-19.
É hora de combater o racismo estrutural (vídeo) e por fim a esta flagrante e perpétua violação do direito à saúde, também consagrado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Como sou de uma geração que acredita que escolhemos a profissão do jornalismo porque cremos que podemos promover a mudança social 💪, recomendo-lhes quatro filmes (trailers mais abaixo). O vídeo logo aqui embaixo👇 é um filmete lituano (5’29’’), legendado em português, com um experimento impactante sobre a chaga do racismo. É absolutamente tocante.
Depois de ver estes filmes, talvez você queira pautar esse assunto: “Iniquidades em saúde e Covid-19”. Precisamos fazer a diferença, neste momento dramático de nossas vidas. Tentemos fazer a nossa parte por um mundo melhor. Só depende de nós.
Para conhecer a repugnante realidade do racismo, especialmente nos EUA, alguns trailers…
Eu não sou seu negro (Netflix)
A 13ª Emenda (Netflix)
Do not resist (Não ofereça resistência)
Oprah: Olhos que condenam (Netflix)
💊HCQ e princípio da precaução
Foto de Viajero
A semana passada (25/5) começou com a decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS) de suspender temporariamente o uso da hidroxicloroquina (HCQ), em um braço das pesquisas que coordena, envolvendo cientistas de 100 países, no âmbito do Solidarity Trial.
A decisão foi uma resposta sensata 👏 à divulgação de recentes estudos de evidências sobre segurança e eficácia da HCQ, especialmente o publicado na revista The Lancet e foi tomada como uma medida de precaução, até que mais dados sobre segurança do medicamento sejam revistos. Uma nova decisão da OMS sobre o tema é esperada para meados deste mês.
No mesmo dia, o Ministério da Saúde anunciou (25/5) que, apesar da decisão da OMS, iria prosseguir com o polêmico protocolo para uso de cloroquina e HCQ. No dia seguinte (26/5), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde e a Federação Nacional dos Farmacêuticos entraram com ação no STF cobrando a suspensão do mesmo. O Ministério Público Federal (MPF) também pediu a suspensão da norma (27/5).
Segundo a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde da pasta, Mayra Pinheiro, o estudo que teria servido de base para a decisão da OMS de suspender os testes com HCQ , publicado na The Lancet, não teria uma metodologia "aceitável para servir de referência.
“O estudo não é um ensaio clínico, é apenas um banco de dados coletado de vários países. Não entra em um estudo metodologicamente aceitável para servir de referência para outros países muito menos para o Brasil”.
Não é bem um banco de dados, mas tudo bem. Itália, França e Bélgica logo anunciaram a suspensão do uso da HCQ para o tratamento da COVID-19. O Brasil não (ah, o Brasil, esse país peculiar !!!).
Pinheiro também afirmou, na ocasião, que o estudo não teria uma metodologia "aceitável para servir de referência". É verdade, mas uma meia-verdade (parece que estamos a viver no país das meias-verdades). E, como tal, não é a melhor conselheira para a tomada de decisões políticas acertadas.
Mais abaixo falaremos brevemente (senão você para de ler! ) do princípio da precaução (PP), que teria orientado a OMS na decisão. Bottom line: a decisão da OMS foi extremamente acertada, diante dos dados científicos disponíveis até o momento.
Como já havíamos mencionado na edição passada, o tal estudo da Lancet, de fato, não é um estudo clínico, mas, sim, observacional retrospectivo, com base em prontuários médicos.
Acontece que o padrão-ouro para se avaliar segurança e eficácia de um medicamento é o teste clínico randomizado controlado. Desta forma, o estudo em questão não representaria, de fato, a prova definitiva para avaliar a droga nestes quesitos. Além disso, ele apresenta, sim, uma série de problemas, apontados por especialistas neste link também. Natália Pasternak esclareceu o tema dos estudos desta natureza em um didático post em seu blog, publicado em O Globo.
Com a palavra, a competente Pasternak:
“Existem ainda estudos, chamados observacionais, que não manipulam grupos, mas apenas acompanham (“observam”) o que acontece em condições reais. Na atual pandemia, temos visto muitos estudos retrospectivos (que avaliam o que aconteceu com pacientes já tratados) e prospectivos (que acompanham pacientes durante o tratamento).
A rigor, esse tipo de estudo é incapaz de estabelecer relações de causa e efeito, mas os mais bem conduzidos, com grande número de pessoas e análise estatística robusta, podem sugerir conclusões que nunca devem ser ignoradas”.
Outros problemas com o estudo da Lancet:
A escolha dos pacientes do grupo de HCQ não foi aleatória, como manda o figurino. Desta forma, ao compará-lo com o grupo-controle, corre-se o risco de ignorar detalhes que afetam o resultado final (por exemplo, pode ser que aqueles que receberam esse tratamento o fizeram porque estavam em situação mais grave).
Outro aspecto a se considerar é a dosagem de HCQ empregada para tratar os pacientes. Os próprios autores do estudo admitem que não sabem se o risco aumentado de morte nas pessoas que tomaram o medicamento se deve a uma dose mais elevada ou não. Talvez, com doses baixas ou médias, o efeito fosse distinto.
O espaço é curto, mas, como prometido, vamos resumir um pouco o contexto da decisão da OMS, a nosso ver acertada.
A decisão parece se inspirar no que se convencionou chamar “princípio da precaução” (PP) que surge na Alemanha (Vorsorgeprinzip), em 1976. Mas, até meados da década de 1990, era pouco conhecido pelos leigos.
Nascido no campo do direito ambiental, o PP mais tarde ganhou tração em outros setores, como a alimentação e a saúde, dentre outros. Hoje é a base de inúmeros tratados internacionais e legislações ambientais. Baseia-se numa equação bem simples: segurança = precaução.
Tornou-se mais popularizado internacionalmente a partir do episódio do mal da vaca louca. É conceito com uma pluralidade de definições e que tem seus críticos (pudera, nem Jesus escapou deles!). Estes acreditam que é obstáculo à inovação e que pode emperrar o tal do progresso (esse sonho distante…).
É basicamente um mecanismo de gestão de incertezas. Quando os fatos são incertos (como no caso da HCQ), recomenda-se precaver-se contra riscos potenciais futuros. A Wikipedia tem uma interessante explicação do PP.
Resumindo a opereta: a OMS, acertadamente, a nosso ver, resolveu aplicar uma moratória aos seus estudos com HCQ, baseada no PP, o que inspirou muitos países a fazerem o mesmo. Menos o Brasil, lógico! 😕
☣É hora de relaxar o distanciamento social?
Foto de cottonbro
Passados certa de dois meses da declaração de pandemia pela OMS, autoridades em todo o mundo apressam-se em tentar afrouxar as regras de distanciamento social. No Brasil não tem sido diferente.
Isto apesar de o país, a esta altura, já ter o segundo maior número de casos de todo mundo, e com dificuldades para “achatar a curva”, que hoje mais parece uma reta ascendente.
Ainda assim, muito tem se falado por aqui em afrouxar o distanciamento social.
Busca-se alcançar um delicado equilíbrio para reduzir o estrago na economia. Mas não existem respostas fáceis para esse dilema. A prefeitura de São Paulo publicou no sábado (30/5) decreto que prorroga a quarentena na cidade até 15 de junho. Apesar de a flexibilização da quarentena ter sido autorizada para 1º de junho, na capital paulista, a abertura das atividades comerciais só será realizada após aprovação pela prefeitura de propostas apresentadas pelos setores econômicos.
Átila Iamarino em sua coluna na Folha de S. Paulo assegura que, sem reduzir o contágio, o afrouxamento será um ‘vôo de galinha’. Pedro Hallal, pesquisador e reitor da Universidade Federal de Pelotas, responsável pelo maior estudo observacional brasileiro sobre coronavirus, alerta para os riscos de se afrouxar o distanciamento social (🔉podcast, a partir de 12’50’’) sem que a curva dos casos comece a apresentar uma trajetória descendente. Endossando, de algum modo, a tese do ‘vôo de galinha’ de Iamarino, Hallal prevê que, sem atentar para estes cuidados, pode ser que, depois do vôo malogrado, demoremos mais a voltar à normalidade. A OMS tem seis recomendações para tomada de decisão sobre relaxamento do distanciamento social.
Rápidas
✅O International Press Institute lançou um observatório para monitorar restrições à liberdade de imprensa no contexto da Covid-19. Vale conferir!
✅Se você é freelancer ou executivo em órgãos de comunicação, vai querer dar uma olhada neste guia para minimizar o impacto da pandemia no seu negócio.
✅O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCTDD) lançou o relatório de pesquisa Ciência Contaminada: – Analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus no Youtube O estudo aborda questões como a qualidade da informação que é compartilhada em rede, o movimento de conteúdo científico em redes religiosas, o peso de autoridades não-científicas em um contexto de pandemia, dentre outras. Parceria com Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa/USP).
✅WEBINÁRIOS EM DESTAQUE:
Cobrindo o coronavirus: a crise da violência doméstica - USC Annenberg/Center for Health Journalism 📌Assista na íntegra📌(27/5)
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