FC19#9 📚A maior lição da Covid-19
Desigualdades na pandemia, máscaras na berlinda e dexametasona são os nossos destaques.
( 👁️︠ ͜ʖ ︡👁️)𝘽𝙤𝙢 𝙙𝙞𝙖❗
Eu sou Cláudio Cordovil, e hoje é dia 22 de junho de 2020.
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💣Desigualdade: motor da pandemia
Imagem de anja_schindler por Pixabay
A pandemia já deixa algumas lições. Uma delas é a da eficácia de medidas de distanciamento social e do uso de máscaras em sua prevenção. A segunda, e não menos importante, é o seu impacto desigual em populações socioeconomicamente vulneráveis.
Pesquisadores em saúde pública afirmam que há um risco real de a Covid-19 agravar as desigualdades em saúde. Os mais fortemente atingidos pela pandemia, seja em termos de infecção ou de mortalidade, tendem a ser aqueles já em desvantagem social.
Esta é uma constatação que agora se confirma com a recente publicação de estudo de pesquisadores de Cambridge e Newcastle. Eles buscaram evidências históricas e contemporâneas das desigualdades em três pandemias: a gripe espanhola; a influenza A (H1N1); e a Covid-19. Nelas, algo em comum: a presença das desigualdades socioeconômicas como determinante de maiores taxas de infecção e mortalidade.
Por qualquer ângulo que se olhe a pandemia, o impacto da Covid-19 sobre os mais pobres está presente. Seja pela maior dificuldade de manter o isolamento social, o emprego e a renda, seja pelo menor acesso a saúde e ao saneamento básico. Há certo consenso de que a COVID-19 tem afetado desproporcionalmente as populações economicamente mais vulneráveis.
O nível educacional também conta: a maior incidência de fatores que elevam o risco de gravidade da doença, como as doenças crônicas não- transmissíveis e as comorbidades, encontram-se entre os menos escolarizados. Os autores do já referido estudo chegam a definir a Covid-19 como uma “pandemia sindêmica”. “Sindêmica” é palavra derivada de “sindemia”. O artigo esclarece:
Existe uma sindemia quando fatores de risco ou comorbidades são interligados, interativos e cumulativos - exacerbando adversamente a carga da doença e aumentando incrementalmente seus efeitos negativos.
Um panorama dessa situação no Brasil foi objeto de análise de três economistas que afirmam que é necessário proteger efetivamente os mais pobres, seja através de políticas de preservação da renda que permitam o isolamento social, seja pela ampliação do numero de leitos disponíveis no SUS.
Assim, não seria correto afirmar que a pandemia atinge a todos da mesma maneira. Como ocorre em muitas doenças, ela tem sua incidência determinada pela renda, pela idade, pelo gênero e pela raça: os famosos “determinantes sociais da saúde” (DSS). Estes diriam respeito às condições em que as pessoas vivem, aprendem, trabalham e se divertem e que também contribuem para sua saúde (ou doença).
Essas condições, com o tempo, levam a diferentes níveis de riscos, necessidades e desfechos para a saúde, atingindo ainda mais algumas pessoas em certos grupos minoritários raciais e étnicos.
Nesse sentido, pode-se afirmar que ser negro coloca uma pessoa, involuntariamente, no grupo de risco para a doença. O seu alcance nesta população, obviamente, pode variar, tanto por comorbidades que atingem este grupo racial em maior número, como a hipertensão e o diabetes (e, principalmente, a anemia falciforme), ou mesmo pela letalidade social (como nos confrontos entre forças policiais e populações vulneráveis), motivada por questões históricas, políticas e sociais estruturantes de nossa sociedade. No Brasil, a maioria dos estados não divulga dados sobre raça das vítimas.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicou artigo sobre o impacto da Covid-19 nesta população. O Centro de Controle de Doenças (CDC), de Atlanta, publicou relatório detalhado sobre o impacto da Covid-19 em minorias étnicas e raciais nos EUA. Em outra dimensão do problema, estudos têm demonstrado que tais minorias adicionalmente defrontam-se com problemas de injustiça ambiental, que irão ter impacto em sua capacidade de enfrentar emergências sanitárias como a Covid-19. Estas minorias étnicas e raciais, assim como as populações de baixa renda, estão muito mais expostas a níveis tóxicos de poluição.
Tais achados também foram encontrados na Inglaterra. Lá, um relatório do governo britânico observou que o maior fator de risco de morrer de Covid-19, depois da idade, era a renda e o fato de pertencer a minorias étnicas e raciais, além de certos grupos ocupacionais.
Crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis no contexto da pandemia. Apesar de sabermos que as formas graves da doença são raramente observadas entre elas, o fechamento das escolas pode agravar as desigualdades educacionais no País.
No Brasil, alunos pobres já enfrentam dificuldades de aprendizagem adicionais durante o distanciamento social. Há também estudos mostrando que seu impacto na educação reforça a desigualdade em todos os níveis de escolaridade. O fenômeno se repete no Reino Unido. Lá, crianças de classe média são duas vezes mais propensas a participarem de aulas online do que as das classes mais baixas.
E concluem os autores do artigo dos pesquisadores de Cambridge e Newcastle:
Parece provável que haverá uma crise econômica global pós-COVID-19 _ o que poderia piorar ainda mais a situação da equidade em saúde, se políticas de austeridade prejudiciais à saúde forem implementadas novamente. É fundamental que, desta vez, as respostas corretas das políticas públicas (como a expansão da proteção social e dos serviços públicos e a adoção de estratégias de crescimento inclusivo verde) sejam dadas para que a pandemia do COVID-19 não aumente as desigualdades na saúde para as gerações futuras.
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😷Máscaras são o novo ‘must’
Nos meus tempos de redação, a sempre elegante Editoria de Moda do Jornal do Brasil tinha um termo para designar qualquer coisa que fosse muito necessária e indispensável: must! Neste momento de flexibilização das medidas de isolamento, as máscaras seguem na berlinda. Fato comprovado por estudos baseados em modelos matemáticos, segundo matéria no El País:
Os resultados do estudo, publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society A, indicam que, se pelo menos metade da população usasse máscara em público, a taxa de infecção cairia abaixo de R0 = 1. Como ficou demonstrado, a curva da pandemia não diminui enquanto esse limite não é alcançado. Com porcentagens crescentes de pessoas cobrindo o rosto, o modelo indica que esse R0 se aproximaria cada vez mais de zero.
Sim, sim. Tudo indica que as máscaras ainda ficarão conosco por um bom tempo, como peça fundamental do vestuário. Mas elas já criam seus novos excluídos: os portadores de deficiências auditivas que dependem da leitura labial para compreenderem seus interlocutores. No entanto, vem da Indonésia a solução para o problema: máscaras transparentes.
As teleconferências por Zoom e assemelhados também têm se transformado em um inferno para os deficientes auditivos, mesmo aqueles que fazem uso de aparelhos para surdez. O Zoom até mantém uma página, esclarecendo seu ‘compromisso’ com a acessibilidade. Mas os deficientes auditivos parecem não estar satisfeitos com as soluções lá apresentadas.
Máscaras salvam vidas, realmente! Pelo menos é o que pode se depreender de matéria do Washington Post que relata o caso de uma dona de salão de beleza em Springfield, Missouri, terra da nossa querida família Simpson! Já tendo contraído a Covid-19, mas, de máscara, a dona do salão atendera 84 clientes. Nenhum dos clientes contraiu a doença!
Se toda esta conversa te deixou com vontade de saber mais sobre máscaras, separei uma newsletter totalmente dedicada a elas. Acredite, se quiser! Máscaras estilosas? A Vogue fez uma matéria sobre elas! A Rede CoVida lançou um guia completo sobre confecção e limpeza de máscaras.
No tema “psicologia social das máscaras”, destaco uma matéria do New York Times que revela uma utilidade inusitada: elas nos libertariam da obrigação do sorriso permanente. Jessica Bennett nos traz o relato aliviado e divertido, em primeira pessoa, de sua alegria com a chegada das máscaras. Deixamos você com um trecho do relato de Jessica.
Na maior parte da minha vida, sofri de uma condição menor, porém crônica: meu rosto, quando relaxado, não apenas parece sério, mas também irritado.
Você não vai querer perder o final da história, não é verdade?
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Dexametasona: esperança e cautela
O destaque da semana passada foi, sem dúvida alguma, a notícia (16/6) sobre estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade de Oxford envolvendo a dexametasona. A se confirmarem tais achados em estudos posteriores, esta seria a primeira droga a reduzir a mortalidade em doentes graves. Ela teria sido capaz de reduzir em um terço a mortalidade de pacientes no respirador e em um quinto entre aqueles que receberam oxigênio.
No estudo, o medicamento, barato e já empregado no tratamento da asma e da artrite reumatóide, foi administrado a cerca de 2 mil pacientes hospitalizados. Estes foram comparados a cerca de 4 mil que não receberam a droga. O estudo é um braço da mesma pesquisa que, no início desse mês, revelara que a hidroxicloroquina era ineficaz contra o coronavirus. E toda a novela envolvendo a hidroxicloroquina e a cloroquina fez a comunidade científica receber a novidade da dexametasona com cautela.
Os achados ora anunciados pelos pesquisadores de Oxford já teriam sido encontrados em um estudo menor, realizado na Espanha. É o que informa o El Diario, que assegura que estes resultados coincidem com outros obtidos por cientistas espanhóis há sete anos. O jornal também revela que os pioneiros achados espanhóis teriam sido confirmados pela primeira vez em fevereiro deste ano em artigo publicado na revista The Lancet.
Ao comunicar resultados de estudos clínicos, jornalistas científicos precisam adotar cautela para não ‘carregar nas tintas’, vendendo falsas esperanças. Na verdade, os pesquisadores de Oxford anunciaram somente um resumo de seus achados, informando que artigo detalhado seria publicado em breve. Fierce Pharma traz um interessante resumo das cautelas a serem empregadas diante do recente anúncio. Como diriam nossos antepassados, “devagar com o andor, que o santo é de barro”.
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Rápidas
⚡RELATÓRIO DO REUTERS INSTITUTE: Acaba de ser lançado o Digital News Report 2020, pesquisa global feita pelo Reuters Institute, da Universidade de Oxford. Ela ouviu 80 mil entrevistados, em 40 países e seis continentes. Entre os destaques relacionados à pandemia, o aumento do consumo de notícias da mídia tradicional antes e depois da Covid-19 (nos seis países consultados) e a queda do consumo de jornais impressos, devido a problemas de logística e distribuição em tempos de emergência sanitária (o que abre oportunidades para o jornalismo digital). Observou-se também, em abril, alto grau de confiança na cobertura midiática sobre a pandemia, representando mais do que o dobro da confiança depositada em informações que circulam nas redes sociais, plataformas tipo Youtube ou serviços de mensagens. A Fundación Gabo e o Instituto Reuters realizarão um webinário nesta quinta-feira (25/6), às 13h (hora de Brasília) para destrinchar seus dados relativos à América Latina.
⚡VACINAS: A ProPublica publicou um interessante e detalhado levantamento sobre as perspectivas de uma vacina (17/6). A Fierce Pharma destaca que a indústria farmacêutica quer melhorar sua imagem com a produção de uma vacina, mas esbarra na questão do preço.
✅ Também revela que a Johnson & Johnson está negociando com a Comissão Européia o abastecimento de sua candidata à vacina, se ela for bem-sucedida nos testes. O anúncio surge depois de o laboratório Astra Zeneca ter divulgado acordo para assegurar 300 milhões de doses de sua potencial vacina para a Alemanha, França, Itália e Holanda. Especialistas vêem com preocupação o que chamam de “nacionalismo vacinal”, e afirmam que estes acordos em separado com continentes mais abastados poderão prejudicar os países pobres. Em tempo: A Astra Zeneca já revelou que sua vacina, quando disponível, deverá proteger o organismo por um ano.
✅ Dizem que a pressa é inimiga da perfeição. Pois, nos EUA, já há quem critique a velocidade que está se imprimindo à busca de uma vacina, no âmbito da Operação Warp Speed. Ironicamente, a expressão, em bom português, quer dizer, “velocidade muito acelerada”. O governo americano está na defensiva depois de alegações de que estaria correndo demais na busca da mesma, o que poderia comprometer a sua segurança. Pesquisas revelam que pouco mais da metade dos americanos estariam dispostos a se proteger contra o virus por meio de uma vacina. Com uma baixa cobertura vacinal, os esforços para imunizar a população cairiam por terra. Somente com coberturas adequadas é possível alcançar o controle ou, manter em condição de eliminação ou erradicação, as doenças preveníveis com vacinas.
⚡DE QUANTOS TESTES PRECISAMOS? Pesquisadores da Rede CoVida sintetizaram resultados de mais de 60 artigos científicos publicados no mundo e estimam que o Brasil precisaria realizar entre um milhão e três milhões de testes/dia para orientar um controle efetivo da pandemia.
✅No entanto, eles também reconhecem que a realização de mais de um milhão de testes por dia é marca difícil de alcançar. O teste recomendado seria o RT-PCR, que detecta a presença do RNA viral, mas com alguma demora nos resultados. O Brasil se destaca como um dos países que menos testa no mundo.
⚡O DRAMA DOS IDOSOS: O Fantástico, em sua edição de ontem (21/6), fez uma excelente matéria sobre a situação dos idosos em casas de repouso no Brasil, Itália e Japão. Este foi um dos temas de nossa newsletter FC19#7.
Destaques da Rede CoVida
✅ Rede CoVida alerta para o uso de Ivermectina na Covid-19
✅ Falta de Proteção Social pode aumentar fome e desnutrição na pandemia.
✅ Pesquisadores debatem uso da Telemedicina na pandemia da Covid-19
✅ Por que a pandemia é pior para as mulheres?
📆 Próximos webinários da Rede CoVida
✅ Pandemia da Covid-19 no Nordeste do Brasil - com pesquisadores do Consórcio Nordeste, segunda-feira, 22,às 14h 📌Inscreva-se aqui📌
✅ Covid-19 no Hemisfério Sul- Com Wanderson Oliveira, ex-secretário de Vigilância em Saúde (SVS), terça-feira, 23, às 16h 📌Inscreva-se aqui📌
OUTROS WEBINÁRIOS EM DESTAQUE:
✅Quais posturas deve ter um líder em momentos de crise ? Associação Nacional de Jornais/ Associação Nacional de Editores de Revistas👉NESTA QUINTA-FEIRA (25/6), às 15h. “Neste webinário, uma conversa dinâmica sobre mudanças, liderança e reinvenção em momentos de crise”. Esse tema é baseado numa pesquisa da McKinsey, de março de 2020, sobre “Liderança durante a crise da pandemia do COVID-19”.
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( ͡👁️ ͜ʖ ͡👁️) Até a próxima! Obrigado pela leitura!
Ferramentas Covid-19 tem curadoria de Cláudio Cordovil (DCS/ENSP/Fiocruz).