FC19#3☀Pandemia avança rumo a desertos jornalísticos
Interiorização da Covid-19 rumo a desertos informativos no Brasil e politização da emergência sanitária são nossos destaques nesta edição.
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📅11/05/2020
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☀Pandemia avança no Brasil rumo a ‘desertos’ jornalísticos
Na semana passada, a Fiocruz divulgou estudo revelando que a Covid-19 já atinge 71,5% das regiões brasileiras e avança rumo a cidades do interior, onde há menor oferta de Unidades de Tratamento Intensivo e respiradores. Neste domingo (10/5), o tema foi objeto de uma reportagem televisiva.
Junta-se a este problema a existência de grande extensão de ‘desertos jornalísticos locais’ no país, e temos a receita para a tempestade perfeita. Essas localidades, segundo o Atlas da Notícia correspondem a 62,6% dos municípios brasileiros e totalizam 37 milhões de pessoas --ou seja, 18% da população nacional!!!! Nestes ‘desertos’, é mais fácil ter informações sobre o impacto da pandemia nos EUA do que na própria localidade.
O Atlas da Notícia é uma iniciativa para mapear veículos produtores de conteúdo jornalístico – especialmente de jornalismo local – no território brasileiro.
O veterano jornalista Carlos Castilho dedicou um artigo a essa temática, onde afirma, entre outras coisas:
A informação local, nestes tempos de coronavírus, está diante de dois obstáculos que tiram o sono de quase todos os que atuam na área: a dificuldade de envolver a população na busca e publicação de informações sobre como a pandemia está afetando o seu dia-a-dia e a necessidade de dinheiro para pagar o impulsionamento de notícias postadas no Facebook, a plataforma escolhida por 10 em cada 10 projetos comunitários.
E Castilho aponta a existência de um verdadeiro círculo vicioso:
O jornalismo local, nos tempos atuais, depende umbilicalmente da participação do público na produção e disseminação de notícias. Acontece que as pessoas deixam de colaborar porque acham que não estão capacitadas, pois estão condicionadas pela cultura imposta pela imprensa de que é ela que sabe o que as pessoas devem saber.
✅Ainda na mesma tecla, mas numa chave mais propositiva, Allen Arthur, do Solutions Journalism Network, escreveu em sua newsletter, na semana passada, que
A pandemia demonstrou o incrível potencial de impacto positivo do jornalismo local, lembrando-nos que ainda temos muito trabalho a fazer para tornar esse impacto um padrão.
Allen destacou três iniciativas promissoras nesse sentido:
A iniciativa da emissora pública de rádio KPCC-LA com sete métodos inovadores na cobertura da pandemia.
A Resolve Philly, uma rede colaborativa de 24 redações que cobre a Covid-19 na Filadélfia, traduzindo dezenas de artigos para comunidades hispânicas.
Uma newsletter distribuída via WhatsApp, em espanhol, a Documented Semanal, dedicada à comunidade de imigrantes na cidade de Nova Iorque .
🦠Os riscos da politização da Covid-19
Os usos políticos da pandemia têm se revelado um fenômeno comum a países com líderes populistas. As consequências de tal politização da pandemia começam a ser analisadas por especialistas.
A Columbia Journalism Review traz artigo intitulado The problem of seeing the pandemic through a partisan lens onde destaca que tal situação impede a responsabilidade coletiva. O problema é comum a diversos países, mas a CJR foca na situação dos EUA.
O artigo cita a recente polêmica “vidas humanas x economia” (que também aconteceu no Brasil) e a ridícula discussão acerca do fato de se usar máscara seria “de esquerda” ou “de direita”.
Quando a direita ataca a expertise [a Ciência] como sendo parte de uma conspiração das elites, é tentador defender a ciência em termos que costumam sugerir sua infalibilidade. Mas não é assim que a ciência funciona, especialmente quando se trata de um novo vírus, cujas muitas vicissitudes a comunidade científica ainda precisa descobrir.
Na The Atlantic, Ed Yong , em consistente e detalhado artigo intitulado Por que o coronavirus é tão intrigante, dá uma pista de onde pode se situar a raiz do problema: a pouca familiaridade das pessoas comuns com os reais processos que levam ao conhecimento científico.
De fato, vista a partir do interior de um laboratório, por nós que cobrimos a ciência por muito tempo, ela nada tem de espetacular.
Anotar em um caderno de notas quantas vezes os flagelos de uma ameba se movimentaram, ao longo de determinado tempo, não tem o glamour das viagens a planetas distantes, tais como retratadas nas matérias científicas, especialmente na TV.
No artigo da The Atlantic, Yong afirma que o avanço científico é:
Menos o desfile de descobertas decisivas que a imprensa costuma retratar, e mais um tropeçar lento e hesitante em direção a cada vez menos incertezas". 𝑩𝒊𝒏𝒈𝒐❗
O respeitado professor de Jornalismo da Universidade de Nova Iorque, Jay Rosen, em contundente artigo publicado em seu blog Press Think resume, para jornalistas, de modo curto e grosso, qual seria a lógica por trás da maneira como Trump tem lidado com a pandemia: O plano é não ter plano!
O plano é não ter plano, permitir que mortes diárias, entre mil e três mil, se tornem fatos normais e criar uma confusão massiva sobre quem é o responsável - dizendo aos governadores que eles estão no comando sem fazer o que só o governo federal pode fazer, brigando com a imprensa quando ela aparece para ser brifada (briefed), jogando a culpa do virus na China ou em algum outro elemento estrangeiro e ‘infestando a zona com merda’. A frase é de Steve Bannon, a respeito de sobrecarregar o sistema com desinformação, com o desviar a atenção e com negação, o que aumenta o que os economistas chamam de "custos de procura" por inteligência confiável.
💰Aqui pausa para uma breve explicação do economês. “Custo de procura” é o custo (não necessariamente monetário) da procura por melhores produtos/serviços. Se o chocolate belga que quero comprar está mais caro nas proximidades da minha casa, e mais barato em um lugar bem distante dela, pode ser que eu resolva pagar um pouco mais, a fim de evitar o longo trajeto (que acabaria ‘não compensando’, digamos assim).
Na metáfora descrita por Rosen, o sentido seria que pode ser mais complicado para o internauta/leitor/telespectador encontrar inteligência confiável sobre a Covid-19 do que ‘comprar’ a versão que Trump e seus seguidores estão a espalhar por toda a mídia e em cada esquina.
E prossegue Rosen:
Em outras palavras, o plano é falhar na resolução pública de problemas e impedir que o público entenda as conseqüências dessa falha.
Uma boa sacada de Rosen, de fato👏.
Aqui, no Brasil, no mês passado, Carlos Castilho já alertara para os riscos da ideologização da pandemia e propunha uma reflexão sobre qual deveria ser o papel do jornalismo nesse contexto.
Rápidas
✅QUESTÃO DE GÊNERO _ O sempre atento The Guardian traz matéria revelando que, em março, para cada fonte qualificada do sexo feminino♀, ouvida em programa de rádio ou TV no Reino Unido, na cobertura da Covid-19, havia 2,7 fontes do sexo masculino♂.
✅FADIGA DE NOTÍCIAS? O Nieman Lab revela que o Boston Globe resolveu trazer a seus leitores, no auge da pandemia, um folhetim intitulado The Mechanic. O folhetim foi um gênero muito comum no século 19 e início do século 20. Os editores explicam a decisão: "O compromisso do Boston Globe em cobrir a pandemia de coronavírus continua inabalável, como o jornal e o site de hoje deixam claro, mas pensamos que um pouco de diversão também cairia bem".
Na mesma toada, o Digiday mostra que, gradualmente, sempre escudados por suas métricas, alguns editores estão retornando à programação normal , com materiais não-relacionados à pandemia.
✅COBRINDO CIÊNCIA COM EXCESSO DE VELOCIDADE _ Na urgência da pandemia, os jornalistas podem comprar “gato por lebre”, na ânsia pelo ‘furo’. Dada a profusão de preprints que inundam atualmente a web, é necessário ter cautela com dados preliminares que podem ser tomados como definitivos.
A Columbia Journalism Review trata do assunto e dá algumas dicas para você não embarcar em canoa furada. Em contrapartida, The Atlantic sugere que autoridades e profissionais de saúde estão perdendo a batalha pelo fato, por desconhecer rudimentos sobre como a informação navega em tempos de internet. Também ignoram como funciona a economia da atenção, coisa que os promotores de fake news conhecem de sobra.
✅CHATBOT CONTRA FAKE NEWS _ A International Fact-Checking Network (IFCN) lançou um chatbot no WhatsApp que reúne o trabalho de mais de 80 organizações de fact-checking em todo o mundo. O Poynter Institute publicou artigo ensinando a usar o chatbot, ferramenta que, no momento, só está disponível em inglês, mas com versões em português e espanhol programadas para breve. Na mesma linha de combate à desinformação, COVID-Explained foi lançado com a missão de responder perguntas do tipo que “você-sempre-se-fez-e-ninguém-nunca-te-respondeu”. Está tudo lá, em formato de FAQ. A iniciativa mereceu matéria do Nieman Lab.
✅EPIDEMIOLOGIA PARA JORNALISTAS _ A Fundación Gabo, a Universidade do Norte (Colombia) e a Fundación Santo Domingo promoveram, de 27 de abril a 7 de maio, uma série de webinars cujo objetivo era oferecer uma introdução à epidemiologia e ferramentas para cobrir o coronavirus com mais precisão. Reunimos eles aqui para você.
Clique nos links para assisti-los.
🔴Epidemiología para periodistas (27/4).
🔴La búsqueda de causas en epidemiología y sus fantasmas (29/4)
🔴Errar es de humanos, y también de epidemiólogos (4/5)
🔴Viaje a la cabeza de una epidemióloga (5/5)
🔴De tapabocas, cuarentenas y otros dilemas: interpretando la evidencia en salud pública (6/5)
🔴Gráficos sin mezclar peras con manzanas (7/5)
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(👍 ͡ᵔ ͜ʖ ͡ᵔ)👍 Até a próxima!
Com curadoria de Cláudio Cordovil (ENSP/Fiocruz) , para:
📝Números anteriores:
🧪Documentos Técnicos produzidos pela Rede Covida
A Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade disponibiliza documentos produzidos por sua equipe de pesquisadores com o objetivo de apresentar informações que possam ajudar a população e os profissionais de saúde a esclarecerem questões sobre o novo coronavírus, com base na melhor literatura científica disponível.
Notas técnicas
Boletins epidemiológicos
#1 - Destaque à situação da Bahia (3/4)
#2 - Os impactos das medidas de distanciamento social e redução de fluxo intermunicipal na Bahia (11/4)
#3 - Testes diagnósticos